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O Período da Descrença

  • Foto do escritor: Bruno Cardoso
    Bruno Cardoso
  • 2 de jan.
  • 4 min de leitura

“Como Enganar a Morte em 7 Passos” foi um exercício cênico realizado no Fábrica das Artes durante uma mostra de alunos. Neste processo percebi algumas etapas recorrentes em meus diários. Compartilhar esse tema com o elenco fez completo sentido, por isso compartilho por aqui também, quem sabe faça sentido para você, leitor.


Os diários de trabalho são ferramentas incríveis. No momento em que escrevo me visualizo em algum futuro próximo revisitando aqueles recados endereçados somente a mim (com exceção deste, que compartilho com você). Houve um dia durante os ensaios que conversei abertamente sobre as diversas etapas presentes em todos os processos, seja no teatro, na animação, produção, qualquer um deles, todos passamos por essas duas fases; O Período da Descrença e a Etapa de Validação.


Apenas para contextualizar, “Como Enganar a Morte em 7 Passos” é uma cena de improviso, no qual a plateia escolhia uma das 49 chaves disponíveis em um painel, ninguém sabia a qual personagem aquela chave dava acesso, apenas o diretor. Depois de anunciado para o público quem era o personagem, o ator deveria “vesti-lo” e entrar em cena. Neste tipo de espetáculo a confiança e o entrosamento do elenco são muito importantes, e por se tratarem de alunos iniciantes, é natural os nervos à flor da pele.


A verdade é que ninguém achava que daria certo. Isso pairava pela sala de trabalho, era tão espesso no ar que ficava cada vez mais difícil se locomover pelo espaço, sempre empurrando aquela verdade pelo cômodo, um gasto gigantesco de energia. Foi então que decidi olhar e mostrar as entranhas do processo, começando por ele; O Período da Descrença.


É necessário passar por ele, entendê-lo, identificá-lo. É fundamental! Se você achar que está tudo certo, que nada vai dar errado, não vai antecipar os erros e corrigir as rotas, você precisa ver o que vai dar errado, precisa achar que algo vai dar errado, precisa desacreditar do processo. Esse período costuma durar pouco, geralmente aparece quando a coisa está começando a ganhar corpo, quando você já pode vislumbrar o que será. É nesse período que a descrença aparece, se instaura, estende uma rede na sua mente e balança tranquilamente, roubando o equilíbrio, turvando a visão, achando que nada daquilo se sustentará. 

Todo período passa. Aliás, só se caracteriza período quando está entre uma ou mais unidades de tempo. Às vezes achamos que a descrença não veio, ou que se encerrou brevemente, mas pode acontecer de estar rodando em segundo plano, como em um alçapão ou uma pequena edícula nos fundos da mente.

Imagem de divulgação "Como Enganar a Morte em 7 Passos"
Imagem de divulgação "Como Enganar a Morte em 7 Passos"

Eu sou orientador/diretor há muitos anos, já fiz isso incontáveis vezes e sempre funcionou, já passei por esse momento de diversas maneiras, mas só agora notei ele, já que se fazia tão presente desta vez que era impossível continuar ignorando.

Percebi em meus diários que geralmente a etapa seguinte é a validação. Conseguimos passar pela descrença depois que alguém ou algum acontecimento valida nosso trabalho. É o momento do processo em que, mesmo achando o oposto, faço questão de elogiar os atores, dizer que eles estão no caminho certo de progressão, pois preciso (e neste caso específico precisava muito) que eles saiam do período de descrença e avancem no processo. Estava tudo certo, até meu ego me pregar uma peça. Inocentemente achava que eu era o alvo primário de validação deles, mas estava errado.


No dia da apresentação o período da descrença ainda estava instaurado. Eles entraram em cena sem acreditar no que faziam, estavam frios como espelhos refletindo uma platéia muda. Mas de repente, alguém, lá do fundo da plateia, soltou uma risada. Foi neste instante que todos eles passaram para a próxima etapa, validaram o trabalho com desconhecidos rindo das piadas que eu já havia dito que funcionariam. Foi a primeira de uma cascata de validações. Todos amaram a cena.


Me senti orgulhoso e traído ao mesmo tempo. Percebi que talvez não tenhamos controle sobre o alvo da etapa de validação, pelo menos não de forma consciente. Por alguma razão damos menos valor para as informações que estão próximas de nós, como sua mãe dizendo que você é bonito.


Eu decidi me abrir para o grupo, expor que achava que eles não haviam dado valor suficiente as minhas palavras, que gastaram tempo e energia em um período que já deveria ter passado. Sempre ouvi dizer que líderes/diretores devem parecer confiáveis e seguros, mas no meu trabalho sempre opto por expor minha fragilidade quando necessário. Não posso pedir que as pessoas se abram se não há um ambiente seguro de troca. O teatro não é lugar de mentiras, necessita muita honestidade para subir em um palco. Tem funcionado muito bem para mim, mas às vezes não obtenho os resultados esperados, por exemplo, ser o alvo da etapa da validação. Não se pode ter tudo, por isso, foco no mais importante, ter a abertura e proximidade necessária com a equipe de trabalho.


Na avaliação final concluímos que perceber esses períodos do processo, nomeá-los, dar formas a eles, ajudou a entender melhor o caminho como um todo. Não falar sobre ou fingir que nada está acontecendo nunca é uma alternativa viável.

Talvez tenha descoberto que existem outras etapas rodando em segundo plano na minha mente, algumas são carentes, outras mais egóicas, porém o importante é que estejam catalogadas e saibam que estão sendo observadas, certas etapas adoram os caminhos.



“Como Enganar a Morte em 7 Passos” teve apresentações nos dia 15 e 16 de julho de 2023.O elenco era formado por Ana Clara Amorim, Amanda Maciel, Beatriz Santarosa, Fernanda Menezes, Letícia Beserra, Luisa Sanches, Mariana Peroto, Nathi Ferreira, Vinícius Frederico, Vinicius Fires.


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